Pages

terça-feira, 28 de julho de 2009

Copo de vidro

Por Eliza Viana.
Ler em seguida "Entre copos e cacos".



“Foi na hora em que você não viu. Sem ser muita novidade, posto que, não raro você não estava olhando. Por isso mesmo, há de ser um mistério para a vida inteira. Um vento bateu na hora. A força do espírito santo. Um mau agouro. Ou uma mão cheia de vontade pegou com força o copo e o fez espatifar-se com gosto, em mil caquinhos, no chão. Você não viu. Você não sabe. Nunca saberá.

Agora está assim: irremediável.

Copo de vidro não é cobra de vidro, eu bem já lhe havia dito. Mas você não conhece, nunca nem ouviu falar em cobra de vidro e julgava que o copo estivesse bem guardado. E eu, embora tenha na paciência uma das minhas grandes características na vida, não tive paciência - ou foi vontade mesmo - para explicar. É porque você, além de nunca querer ouvir, não entederia. Não é capaz de perceber que se você deixa por aí largado o copo, cheio ou vazio, pode mesmo acontecer dele cair e quebrar. Difícil? Não.

Copo quebrado todo mundo sabe que o remédio único é varrer e jogar fora os cacos. Minha mãe também me ensinou que, depois da tragédia feita, é bom andar calçado porque sempre ficam uns cacos e se pode cortar o pé. Eu aprendi.

Mas então, agora, depois do chão já limpo, você vem para catar os cacos e saber do que aconteceu. Caiu, quebrou, passou. É só o que eu lhe digo.

O chão já está limpo, já disse e odeio me repetir. Eu já estou pronta. Já tenho um jogo novinho de copos de cristal guardados numa charmosa cristaleira - "resiste ao tempo e às boladas que levou". Aliás, vai ver foi isso: umas crianças jogando bola, é assim mesmo... entra pela janela, bate e sempre quebra alguma coisa. A gente grita, reclama com os pais, mas no fundo não liga não. Acha até bonito, engraçado, coisa da idade.

Então pronto. Expliquei. E daí se não é verdade? Podia muito bem ser. Se o que você queria era entender está tudo certo. Agora eu preciso ir, atrasada para um compromisso importante. Você faça o favor de ir embora porque eu já disse - e era o mais importante que, como sempre, você nem se importou: era copo de vidro e não cobra de vidro. Porque cobra de vidro é uma espécie de lagarto que se você parte ‘dois, três, mil vezes, facilmente se refaz’.”.

Entre copos e cacos

Eu sei que copos quebram e que cobra de vidro se refaz. Sei que o réptil se adapta ao clima e que os copos, em certa medida, também. Se você põe gelo, ele sua, se põe café, ele queima. Mas copo de vidro quebra em mil pedaços, estilhaços e aos cacos só restam o lamento de quem os quebrou, uma pá, vassoura, saco de lixo, lixo, nó.
Eu sei disso tudo. Mas também sei de uma coisa que você, com todo conteúdo de copo cheio e toda estranheza de cobra de vidro, que não sabe de si, oscilando entre ora cobra ora lagarto, não sabe. Que vidro corta fundo, rasga pele, corta tendão. Pior que isso, copo de vidro vira caco que para no lixo. Mas copo de vidro também vira pó e esse ninguém vê. Você não vê. Nunca viu.
Enquanto você vem em cacos pra mim, cortando meus tendões, eu vou em pó de vidro e invado-me os pulmões até fazer cerol com muco e sangue. Afio cada fio de palavra e cada corda vocal...
Fiz o favor de não falar em demasia, visto que quem fala demais acaba não escutando a si mesmo. Fiz o favor de não contra-argumentar suas idéias tolas, sua frieza de copo de vidro e esse seu ar metódico de ver o mundo. Vai ver foi isso. Esse seu ar metódico não suportou o meu desprendimento e acabou quebrando o copo. É assim mesmo. Liga não. Os cacos cortam, cortam bem, menina. Cortam fundo. Sua mãe fez bem em ensinar que é bom se calçar depois de tudo feito. Mas não só isso que se aprende não. É difícil, né? Ah, esquece, não precisa entender.
Acabo aqui: te cortando, lentamente. Espedaçando você, cobra de vidro. Que de cobra não tem nada. Sabia que se aprende a se calçar depois de ter cortado o pé. É preciso cortar o pé. Sua mãezinha não falou? Aposto que não. Sua mãezinha é egoísta, sabia? Te poupou a dor. Que estrago que ela fez em você. Olha como sua pele é lisinha. Gente de verdade tem a pele desfigurada, pra acompanhar a alma. Se eu fosse você, corria logo. Pega um caco de casco de cerveja e faz um talho nessa sua cara. Vai, acompanha a sua alma. Ela é sua.

Mas eu sei. Eu vi. Você, não.
Você não sabe nada. Nunca soube... Ah, pode comprar quantos jogos de copos de cristal quiser porque a questão não é essa. Não é agora. Sempre foi assim: Irremediável.

depois de uma pergunta, uma resposta.

-você ainda tá em demolição?

sempre. mas não tô na demolição, entende?
o processo de demolição é consatanre. pra não se habituar com que se tem e estagnar...
tô tentando... pra isso,troco de imagem.
e por isso eu troco sempre. não quero me habituar a mim mesmo. ser sempre eu mesmo me cansa!