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sábado, 24 de setembro de 2011

uma carta pra saudade

Com medo de que alguém diga que sou piegas, eu não escrevo algumas certas coisas.
Hoje é diferente. Estou escrevendo somente para mim. Não. Estou escrevendo uma carta pra saudade. A saudade que é da cor desta tinta. A saudade que é pulsante e inquieta. Que deixa meu corpo desritmado. Dedico a você, que deixa aqui comigo a saudade, quando não está, o espaço do meu abraço que t’espera todo. Para ser completo com a parte que te cabe. Com a parte do meu beijo eu te espero, pra quando a metade outra da tua boca vier toda comera a minha. Te espero com todo meu pensamento obsessivo  na tua existência e, como castigo ou ânsia, se alimenta de cada lembrança deixada pela tua vida na minha.
Sabe, às vezes sinto que esperei desde o parto prematuro para te encontrar. Talvez seja isso: sou prematuro. Nasci de sete meses por conta da impaciência que tive para esperar o momento em que eu pudesse te encontrar. Hoje, eu olho o espelho e vejo você. No meu reflexo.
Este será o nosso segredo.

domingo, 7 de agosto de 2011

O meu amor não é egoísta

Depois da espera. Um beijabraço. Um assassinato da saudade. Um reencontro de si no outro. A afinação do mundo.


De si-para-si disse, que na verdade era para o outro:


- Estive pensando hoje: como é bom deitar-se na cama e ver o brilho da lua nos olhos de alguém. Melhor ainda é acordar e ter o sol ao seu lado!


E enquanto os dois corpo dormiam abraçados, o sol entrava pelas frestas da janela branca, percorrendo as linhas sinuosas de suas pernas, cinturas e braços. enquanto ele dormia abraçado com aquele corpo que lhe é tão apraz, sonhava. Sonhava com aquele corpo. Era uma presença que tomava todos os espaços.Fora e dentro. O sol gritando para levantarem os dois daquela cama que os prendia. Era uma vontade infinita de permanecer naquele espaço em que um complementava o outro. Uma preguiça do mundo pasteurizado e impessoal. Juntos, reinventam  todo universo. Muda nomes e cores. Tudo.


E o riso fez-se frouxo e escorreu por todo aquele corpo ensolarado e leve e livre. Livre! O peso da saudade se foi, dissipou-se no ar da noite. Foi como um mergulho no mar, que revitaliza. Foi como acordar tarde. Só que bem mais tarde...


Levantaram e foram. Cada qual para seu destino, naquele dia que nasceu, não com um, mas com  três sóis. Os seus e o do mundo. Não se sabia qual dos três brilhava mais... 


Depois daquele dia, no mesmo dia, dormiu. Dormiu só com a lembrança e com as marcas das mãos e pernas e boca e alma daquele corpo, em seu corpo imaterial. Lembrou como era bom o amor. Lembrou também que, antes de se fazer com o outro corpo todo eclipse, ouviu  de um certo alguém que o amor é egoísta. 


- Como pode ser o amor egoísta?!- pensou. O amor é, antes de tudo, liberdade. É pássaro que não se pode pegar com as mãos. Porque se pegarmos, ele não voa, ele não canta. Ele morre. O meu amor não é egoísta. O meu amor é meu e do todo mundo. Para todo o mundo.


Apagou a luz e,enfim, dormiu. Leve como nunca havia sido. E de modo místico e amoroso, sonhou com ele, com aquele corpo, que sonhava com o seu. Abriu os olhos surpreso. Sorriu e percebeu, mais uma vez,como era bom o amor que só eles entendem, o amor deles. Lembrou que era bom viver.


 "Mas deve haver algum jeito exato de contar essa história que começa e não sei se termina ou continua assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Ou foi o contrário? Seja como for, pouco importa: não me desperte, por favor, não te desperto."





E, continuando os dois a sonhar aquele sonho bom, os passarinhos avuaram e tornaram todo horizonte não mais distante.





segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Poema – não – poema [Sintaxe]

Boca voz verso
em mim atroz
Deságua
Foz
maré cheia- ressaca
engole o mundo
engasga palavra
descabida
vida que se tem arredia
vontade do absurdo
momento
insano de fazer poesia a carne
crua que se mantém viva a alma
errante
passos confusos
pensamentos infindos
problemas não
matemáticos
da vida que é minha por
excelência. Na adição
de subtração dos
valores
fra – ci -
o -
na -
dos
decomponho-me
nas escolhas que não tem raiz
exata
para encontrar
a sintaxe que este
poema – não – poema
está longe de
ter.


 

Será?


Será você um pássaro ou um avião?
Será você um bandido ou um herói?
Será você isto ou aquilo?
Será você uma música ou uma dança?
Será você oito ou oitenta?
Será você um doce engano ou um sonho bom?
Será você um fantasma ou a fada madrinha?
Será você o príncipe encantado, ou apenas uma página de um livro plano?
Será você meu espelho ou o antirreflexo?
Será você ou eu?





Sobre a saudade...


 "Estava pensando uma forma de não ser, nem saudade, nem lembrança. Uma forma de não ficar de maneira nenhuma.
Estava pensando uma forma de não ter saudade, não ter lembrança.
O que seria então?"
 [clara anastácia] 




Às vezes, penso que não gostaria mais de de ser brasileiro. Alguém disse que a palavra saudade só existe pra nós. Se é verdade, eu não sei. Só sei que sinto a palavra que conheço. Cada sílaba. Não sei. Mas, poderia ter nascido chinês...

A saudade tem textura. a palavra arranha tudo, quando roça nas vísceras da gente, de modo silencioso. É linha com cerol... Mas é que, por vezes, saber identificar o que se sente é um tanto diferente. É exato. Direto demais. É ter o diagnóstico da doença na tua mão. Sentir algo e não saber o que é, também é diferente. Mas a gente toma algum remédio qualquer, tipo dorflex, que todo mundo jura servir pra tudo, e tá bom. Ah, já não sei mais de nada.... A saudade é o revés do ter... A saudade pelo que não temos nos presenteia com os espaços vazios deixados pelas coisas, sem mesmo terem existido pra nós e em nós. É um querer não saciado. É um vento por entre nosso gesto de abraço em coisa alguma...A saudade dói. Mas alimenta a fome dos quereres!

sábado, 30 de julho de 2011

Escarlate

A: - Sabe, no fundo eu sou um sentimental.

B: - Isso é Chico Buarque.

A: - É. Mas quando eu falo, é meu. Por isso digo, sabe, no fundo eu sou um sentimental...

B: - E por que você está dizendo isso agora?

A: - Porque nunca disse pro mundo. Nem pra mim. Então, digo pra você. Porque também é uma forma de dizer pra mim.

B: - Me diz. Agora eu sou eu e você. Ao mesmo tempo.

A: - Não sei se a vontade de falar e falar e falar vai suprir o quanto quero me abrir à você, a mim e ao mundo. A vontade que me dá é de rasgar a capa do peito e despejar tudo sobre as paredes desse quarto, sobre essa cama, sobre o chão. Por sobre toda essa casa. Em você... As coisas que quero dizer não cabem todas na boca. Preciso falar com o corpo todo.

B: - Eu te recebo. Vem.

e,ao ouvir isso, aquele corpo-voz fez-se todo líquido e despejou-se inteiro por sobre o outro corpo, pelos cômodos da casa. Escorreu como as águas do bonfim pelas escadas. Transbordou salas e corredores. Maremoteou-se tsunamizado. Agora, de tudo existente fez-se vermelho. Era ele perceptível ao mundo, com seu brilho escarlate. As palavras que não cabiam à boca formaram correntes marítmas e banharam os corpos que naquele quarto estavam: vermelhos, os dois ficaram a boiar.





Um. Porém dois.

Porque é você. Porque sou eu.


..., e, com o peito vermelho retinto, escreve manchado, na folha:


 - Eu escrevo. E quando você escreve o que eu escrevo, e leio,parece que está escrevendo pra mim. Parece-me que o que disse, eu não disse. Quando tudo dito e escrito saíram de sua boca e mão. Será talvez porque era o que você queria dizer e escrever, e não eu? Não sei dizer. Mais nada. Porque tudo o que eu disser será dito por você e não por mim. Não digo. Porque até o silêncio sai de você e não de mim.
Digo-não-digo. Falo/Me calo. E continuo a dizer. Por suas mãos e boca. Porque são minhas. Porque é você. Porque sou eu.

Ridiculamente interessante

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Conversa entre dois. Entre um.


A: - [silêncio]


B: - [silêncio]

A: - É...

B: - [silêncio]

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A: - [silêncio]


B: - Acho que é isso.

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A: - ...te amo.

B: - E nesse momento eu sinto um arrepio dentro. Meus olhos transbordam. É a vontade de dizer com a alma que também correspondo ao que me dizes. Sinto que a boca não é mais capaz de dizer com a mesma precisão uma frase tão pequena em estrutura, mas que imensa em dimensão. Te amo com tudo que tenho e existo. Todo.
Mas não me basto por isso.

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A: - Não tenha medo de ser você por minha causa. Não se aprisione. Não se contenha. Seja livre e feliz. Se algo fugir do controle...

B: - E se [você] fugir?

A: - Prometo te avisar.

B: - O que fazer além do aviso?

A: - [silêncio]

B: - [silêncio]

A - B: - [silêncio]

AB: - [silêncio]

...







Não quero te ter

Não quero te ver. 
Fecho o álbum de fotografias. Apago seu número da agenda. deleto seus e-mails.
Não quero te ter.
Escondo com maquiagem as marcas de tuas mãos e da tua boca em meu corpo. E, por quase meio segundo eu te esqueço. A não ser quando fecho os olhos e te encontro todo em meus pensamentos.


Eu não sou o que você gostaria que eu fosse. Eu não caibo nos seus planos. Eu não sou aquela que vai te dar três filhos lindos e cuidar do seu cachorro. Não sou aquela que vai dividir contigo o sonho que você não vai realizar. Eu não te peço isso.Não sou uma boneca plástica. Sou mulher-carne. Eu  ofereço. Eu me ofereço. Portanto, não me dê como troco a sua indiferença. Me odeie, me deixe com raiva. Me use. Minta pra mim. Minta! Mas não me anule com a sutileza do vazio do corpo  morto. Não faça do meu corpo um objeto ignoto. Eu estou aqui. Você me vê. Eu sei.


Você pode ser sutil.

Mas não imperceptível.




E eu te vejo, 
                                         sim.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sinto-me

Sinto-me. em um estado diferente. Entre sólido e liquefeito. Num estado de malemolência, de flexibilidade elástica. Sinto-me sinuoso em movimento Sou um quadril brasileiro. Coluna vertebral de gato vira-lata. transbordo-me. facilito-me. Sinto minha presença: em mim. No espaço. Por todos os espaços. Fluido, perpasso as superfíceis e mergulho fundo no interior do mundo. No interior das cabeças. No interior dos corpos. O que será, que será que está por vir? É o que virá. Um novo tempo onde eu existo todo. de modo supra-corporal, extra-sensível. Está por vir o que virá. E virá.

domingo, 5 de junho de 2011

véu

Você pode ser sutil.

Mas não imperceptível.




Eu te vejo, 
                                         sim.

Vampira



Depois de mais um dia, pararam todos, na verdade, alguns poucos, num bar, para comemorar ou mesmo tramar ou afogar a vida que se tinha. E lá engoliram copos de cerveja gelada, assim como o tempo. Fim de noite – ou o início dela – estavam todos. Ele e ela. Conversando e revelando alguns de seus segredos. Estavam se revelando um ao outro. Ele já tinha visto aquele corpo de mulher antes: já havia percebido suas curvas e sugestões de um segredo, ou um assunto, não tocado em roda aberta. Chegou a dizê-la, certa vez, que ela parecia agressiva, de beleza. Ela era uma mulher e se bastava na apresentação.
Trocados segredos, dividiram o mesmo espaço por afinidades e por, de algum modo, estarem ali afinados. Era outro assunto: outro propósito e outro lugar.
Entre a conversa boa e os copos sucessivos de cerveja, ela, qual gato carente, alisava seu corpo quente no corpo dele. E ele correspondia àquele ato. Imaginou aquela mulher-gato dentro de sua cabeça profana. Ela já o tinha feito anos-luz.
A vontade comia suas carnes bêbadas, assim como aquela diaba mordia seu ombro e beijava seu pescoço, a cada abraço dado. Ela estava domesticando aquele corpo de homem-aberto -no –espaço. Ele correspondia à domesticação de modo sutil. A bandida já tinha a quem dominar. O outro homem estava ali, seco. A vampira já havia chupado todo o seu sangue. Ele seria o próximo. Ela armou a cama para este homem deitar e servir-lhe de banquete. Ele, todo alimento, estava ali, à espera da dentada que o consumiria.

- Você está maluca. Perdeu a noção?! Olha quanta gente aqui.

- E qual o problema? Se eu sou maluca, não tenho noção. Sou toda pulsão. Gente. Essa gente não vê nada além. Todos bêbados, como nós. A diferença é que nós vemos. Eles, não. Essa gente é comum, conformada. Catequizada. Nós não fomos catequizados, gato. E eu não quero nada além do que você já imaginou... Ou pensa que eu não entrei na tua cabeça de homem e vasculhei todos os seus pensamentos? Eu percorri por cada beco imundo e escuro da tua cabeça, vi todos os seus desesperos, dúvidas e desejos. Fazendo um juízo de valoração, você, no mercado, vale a mesma coisa que eu valho: nada.

O homem ficou abismado com a certeza das palavras daquela mulher. Porque era verdade. Estava inerme, quase completamente entregue.

- ...e ele? Você não vai fazer isso. Ele está aqui e isso é sacanagem. O cara é gente boa e gosto dele...

- Eu também, gato. Gosto dele. Mas isso pra mim não é impedimento. Nem tabu. Ai, vocês, homens. São muito regrados. Depois dizem que não entendem as mulheres. Somos muito mais simples de entender do que vocês.
 - Pára com isso. Você é uma bandida, sabia? Eu quero, quero dizer, não posso. Não devo.

O espírito cristão daquele homem já estava corrompido antes mesmo d’ele nascer. Mas não sabia disso. A mulher disfarçou e arrastou o homem para uma parte quase sem luz da rua. Jogou suas costas retas contra-parede.

- E agora?!

O homem, sem saída aparente, respirou fundo e

- olha isso é uma loucura não é justo eu sei você é linda mas isso não pode acontecer principalmente porque não quero causar danos à ninguém o que os outros vão pensar você está maluca não isso não é legal se ele não existisse isso é outra coisa precisamos pensar nisso  não tem nada a ver eu acho eu acho que não rola não pode rolar isso é loucura eles perceberam ai, meu deus você não tem noção mesmo pára de me tocar tira a mão de mim não podemos fazer isso pára eu não tenho esse direito nós não podem...
Os anjos todos perderam suas asas e caíram como pacotes pesados por sobre o chão da Terra. Os santos do homem-cristão foram decapitados e suas cabeças santas rolaram ladeira abaixo. Suas costas envergaram e seus pêlos todos eriçaram qual gato em perigo. Ali, ele foi devorado. Ela o deu um beijo na boca. E ele nela. A mulher agarrou o corpo da sua presa e chupou sua língua, para que o homem ficasse sem palavra alguma. Percorreu com as setenta e sete mãos todo o  homem, de fora à dentro. Sua língua trilhava caminhos pela extensão daquele corpo. Com uma das mãos, pegou-lhe pelos cabelos, puxou sua cabeça para o lado. Como uma vampira, mordeu-lhe o pescoço. Respirava quente no buraco negro de seu ouvido.  E, num esforço, ele era somente um corpo sendo devorado e correspondendo a cada uma das setenta e sete mãos daquela mulher. Estava entregue. Presente. Pulsante.  Ereto.  Ele também era todo desejo: um desejo proibido. Eram puro sexo.  
Quando soltou a boca e o corpo daquela carcaça de homem, ele, paralisado, ficou a olhar, vidrado nela.
Depois de ter cumprido seu propósito, aquele corpo apocalíptico se riu inteiro para o corpo estático do homem. Explodiu em uma gargalhada diabólica. E saiu de den’da escuridão, com a cabeleira negra e revolta para o lado. O sexo aceso, suas cadeiras num requebro desumano, ela passa pelas cabeças de santos espalhadas pela rua, entre anjos caídos. Volta para a conversa de bar, cínica, como se nada tivesse ocorrido. Enche o copo de cerveja. Bebe. Abraça aquele outro homem domesticado e sugado. Dá-lhe um beijo na testa, piedosa, como quem o abençoa. Entre os corpos bêbados, se ri, como uma inocente.
: a noite continuou e ninguém percebeu nada.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Dias Felizes

"Tudo dito, guarde-me contigo pq já sou tua." (samuel Beckett, Dias Felizes.)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Só peço que me leve.

e os dois marcaram de se encontrar. Ele chegou. Procurou. Não achou. Estava com medo. Uma sensação diferente. Acho que era medo. do que poderia acontecer. Ou não acontecer. ele não estava lá: ninguém estava. percorreu por todo o prédio e ninguém conhecido.
sua respiração ficou um tanto ofegante. Era algo. Algo ocorrendo em seu corpo nem um pouco dócil: o corpo de dentro. era um misto de pulsão freudiana com senso de realidade. Era seu id querendo matar o superego, e vice-versa. matar de prazer, de amor, qualquer coisa.
 Sentou-se. Só. Num canto pouco iluminado. Só com ele mesmo. À espera. À espera somente. Do outro corpo que vem. Em algum momento ele vai chegar.

 - e se não chegar?
Por que você não existe mais diante dos meus olhos? eu me disponho todo.
Canto.
Eu corto o canto
e num canto
espero.
calado.
Porque você me violenta.


: se não chegar. Ele vai morrer. Por mais uns dias.

 - Quem sabe?


Mas, ao fim, já mutilado pelo câncer da espera, foi. andou. encontrou o outro corpo de pé. Não olhando. entrou na sala. Abraçaram-se. era um abraço que continha uma conversa. um diálogo que não necessariamente era para o outro ouvir. Uma descarga de texto gestual. foram embora.   Seus olhos gritavam

 - Só peço que me leve.

Foi o que aconteceu. foi levado pelos olhos aguados e lindos, represados o doutro corpo, que ao ler as palavras do papel-peito-pulsante, escrito em vermelho, lançou-se todo em olhar e vontade por dentro dos olhos daquele corpo que esperava.

E assim saíram horizonte a fora: um corpo querendo querer habitar o outro.  querendo querer ser: um.

E o foram.


"Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor...
"

domingo, 29 de maio de 2011

Alguém disse que o mundo não era tão chato



Alguém disse que o mundo não era tão chato. Alguém disse que era bom viver.
Sentiu-se subversivo por um momento. Mas voltou atrás. O que significa, então, ser subversivo, se a vida é uma só? Desistiu do rótulo e mergulhou com todo o corpo naquilo que achou conveniente. Não coerente. Estava feliz por descobrir estas coisas. As mesmas coisas já descobertas há tanto tempo, por tanta gente. Tudo sempre esteve ali. Ele é que não via porque insistia em  andar no escuro.
Pega o papel e ensaia escrever. Escrever uma carta, como se aquela fosse a primeira vez em que executaria tal ação. Pela primeira vez sentiu-se tão livre para escrever que paralisou a mão direita, porque era destro. Ficou imóvel, com a ponta do lápis no papel. A mão esperando o comando do corpo ficou ali. Ele não queria desperdiçar este momento, que poderia ser o único. Em sua mente, um turbilhão de palavras emboladas, todas famintas para escapar daquele corpo de homem. As palavras não pertencem ao concreto. São feitas para estar no ar. Etéreas.
Decidiu por não decidir pensar.

 - De repente, pode ser a única oportunidade de se ser livre para escrever, pensar, falar e ser livre...

Então, de modo muito humano, e irracional, escreveu na superfície aviltante do papel branco:

 - O que você tem? Me diz.  Passei dois dias com o cheiro do teu corpo no meu. Minhas mãos eram teu corpo. Minha cabeça, minha boca. Minha vontade, que era você. A vontade de te ter. De ser todo seu. O que você tem? Uma semana foi o bastante pra me tirar completamente da órbita, da linha da razão. Você me suspendeu no ar. Tirou toda a gravidade que me deixava fixo no chão. Sua voz. Sua voz come meus tímpanos tão docemente que me desfaço em desejo e vontade e tudo... Como eu queria que nada disso tivesse acontecido...  só pra acontecer tudo. Novamente. Acho que estou ficando louco. Peço que não leve a mal. Peço que não me leve a mal. Peço que me leve.

Respirou tão fundo, que acabou por consumir todo ar do planeta. Sentiu-se exausto por ter expulsado todo aquele verbo dentro de si, represado.
Acendeu um cigarro. Pegou um copo de licor. Sentou-se relaxado na cadeira antiga, na varanda, de frente pra qualquer lugar: porque o lugar era o que menos importava naquele momento de suspensão. Ele estava em seu não-lugar. Com nenhuma incerteza. Era ele e todo aquele verbo – desejo - liberdade no ar, dançando qual fumaça do cigarro. Dançando qual corpo imaterial num duo com o outro corpo. Completamente livres.